O Editor

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Sobre mulheres e beleza


 

Sobre mulheres e beleza
"As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental. Não há meio-termo possível. É preciso que tudo isso seja belo. É preciso que súbito tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora. É preciso que a mulher que ali está, como a corola ante o pássaro, seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e seja leve como um resto de nuvem.
Mas que seja uma nuvem com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então, nem se fala. Que olhem com certa maldade inocente. Uma boca fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência. É preciso que as extremidades sejam magras, que uns ossos despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas no enlaçar de uma cintura semovente. Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras. Uma mulher sem saboneteiras é como um rio sem pontes. Indispensável é que haja uma hipótese de barriguinha e, em seguida, a mulher se alteie em cálice. E que seus seios sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca, e possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas. Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral levemente à mostra. E que exista um grande latifúndio dorsal! Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas e que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem, no entanto, sensível à carícia em sentido contrário. É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos). Preferíveis, sem dúvida, os pescoços longos, de forma que a cabeça dê por vezes a impressão de nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior a 37° centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras do 1° grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes e de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra. E que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros. Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se se fechar os olhos, ao abri-los, ela não mais estará presente com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá. E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber o fel da dúvida. Oh, sobretudo que ela não perca nunca, não importa em que mundo, não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade de pássaro. E que, acariciada no fundo de si mesma, transforme-se em fera sem perder sua graça de ave. E que exale sempre o impossível perfume, e destile sempre o embriagante mel, e cante sempre o inaudível canto da sua combustão e não deixe de ser nunca a eterna dançarina do efêmero".

Vinicius de Moraes
,
Receita de mulher