O Editor

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Liberdade de Imprensa e julgamento

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ARTIGO: LIBERDADE DE IMPRENSA E DE JULGAMENTO

Ali Mazloum

Aos juízes compete única e exclusivamente combater a injustiça. As rotulações dadas às operações policiais no auge das famosas espetacularizações serviram apenas para estigmatizar pessoas, fomentar preconceitos e enodoar julgamentos. Com efeito, uma operação pode ser um sucesso de público e de mídia, mas um fiasco processual, com resultados pífios no âmbito judicial: muitas prisões preventivas, apreensões de bens e delações obtidas mediante "acordos"; todavia, poucas condenações definitivas. Que retomem os magistrados com firmeza a condução do processo.

É simples e funciona assim: a polícia investiga, o Ministério Público acusa, o advogado defende e o juiz, após garantir absoluta paridade de armas entre acusação e defesa, julga com coragem e isenção.

O novo ano que se inicia exige novas posturas. Adversidades naturais e humanas desafiam a inédita gestão feminina da presidente Dilma Rousseff. Ao maior desastre natural brasileiro, com quase mil mortos somente em uma cidade do Rio de Janeiro, justapõem-se embates políticos e intrincadas questões de alta densidade jurídica e social que demandam solução segura, rápida e eficiente. O caso Cesare Battisti e sua problemática internacional; a celeuma em torno da Ficha Limpa; os royalties do petróleo; a reforma política; a liberdade de imprensa; a sobrevivência do Enem; união homoafetiva; aborto; fiscalização e defesa das fronteiras; o crescente tráfico transnacional de drogas; entre tantos outros, são alguns dos assuntos que estão a exigir tirocínio técnico e boa dose de bom senso.

Certamente esses temas também passarão pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, que até pouco tempo estava desfalcado pela vaga deixada com a aposentadoria de Eros Grau.

A acertada nomeação de José Eduardo Cardozo para o cargo de ministro da Justiça constitui um importante passo dado pelo governo federal em direção ao combate ao crime organizado. Trata-se de político experiente e respeitado profissional do Direito, que bem apontou para a necessidade de um pacto entre União, Estados e municípios para melhorar a segurança pública. Com acerto realçou qual será o lema da atuação da Polícia Federal sob seu comando: primar pela boa investigação e o fim da espetacularização das operações. Para além da diretriz, Cardozo faz eco às advertências de Gilmar Mendes, da Suprema Corte, enviando importante lembrete não apenas às suas próprias hostes, mas também a todos os juízes: o clamor das ruas não espelha, necessariamente, clamor por justiça.


Passada a magia, a frustração irrompe quando se constata que o julgamento judicial não caminha de mãos dadas com o julgamento das ruas. A sensação de impunidade é dilacerante. É preciso retomar a seriedade. Deveras, a agressão a um bem jurídico tutelado pela lei penal (prática de um crime), amplamente divulgada, cria no corpo social forte expectativa de punição. Em razão da escalada da delinquência, a Justiça Criminal, aos olhos da população, se transforma numa espécie de vitrine por meio da qual o Poder Judiciário passa a ser visto, avaliado e julgado. Porém, a posição do juiz pode ser negativa ou positiva à pretensão punitiva do Estado, alternativa que por si só redunda, ocasionalmente, em pressões cujo único intento seria o de pautar a decisão judicial, gerar sua deflexão.

Evidente que a repercussão do delito potencializa naturais entrechoques da opinião pública com a decisão judicial divergente. É que esta só pode ser extraída da prova constante dos autos, ao passo que aquela, no mais das vezes, deriva de noticiários distantes da análise técnica e serena do fato.



Para ele, com ou sem provas,  . Entretanto, a culpa dessa distorção promotora de injustiças não pode ser debitada à imprensa, mas, sim, à fraqueza do juiz.

Sua tibieza diante do sensacionalismo promovido por setores da mídia não pode comprometer a liberdade de imprensa.

Provocará atritos com os órgãos da persecução penal. Contudo, isso não deveria nunca demovê-lo de seguir com isenção o iter do devido processo legal (due process of Law), tomando o atalho da sedução pelos aplausos passadiços e cair na armadilha de reduzir sua judicatura a uma reles chancelaria de pedidos da polícia e do Ministério Público.

Por conseguinte, diante do aludido alerta do ministro da Justiça, é preciso, à evidência, reavaliar paradigmas construídos a partir da ampla divulgação midiática de investigações ocorridas neste último decênio. Prejulgamentos destruíram reputações. Pessoas foram jogadas na fogueira da injustiça.

Investigações policiais ou de CPIs, realizadas sob holofotes cinematográficos, merecem redobrada cautela dos juízes das respectivas causas. Lembrem os magistrados que o combate à criminalidade é tarefa do aparato da persecução penal do Estado, não dos juízes.

Ali Mazloum é Juiz Federal em São Paulo, é especialista em Direito Penal e Professor de Direito Constitucional.

Artigo publicando no jornal "O Estado de São Paulo", Caderno Opinião de 9/3/11)