O Editor

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O PENSAMENTO POLÍTICO DO MOVIMENTO ABOLICIONISTA NA BAIXA MOGIANA (1870-1890) - Parte II


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INTRODUÇÃO

A escravidão foi um sistema que esteve presente desde o início da ocupação européia na América. Inicialmente, as populações nativas foram submetidas ao regime de escravidão. Mas, tendo em vista os aspectos culturais do indígena, cujos costumes eram retirar da natureza apenas o necessário para a sua sobrevivência e não acumular riquezas, essas populações foram descartadas. Além disso, a escravidão vinda da África era de interesse capitalista, pois rendia mais buscar o negro no continente africano e vendê-lo em solo brasileiro.

Durante séculos, o alicerce do estabelecimento dos portugueses na América, assim como a manutenção do Império no Brasil, foi a instituição escravocrata. A sociedade da colônia portuguesa e a do Brasil Imperial estavam assentadas em bases hierarquizadas. Nesses dois períodos, as hierarquias estabelecidas tinham como eixo central de sustentação a exploração forçada da mão-de-obra escrava. Tratava-se de “uma trama de serviços prestados liga negociantes e fazendeiros (...)” (MATTOSO, 1993, p. 63).
Pela metade do século XIX, a força de trabalho da economia brasileira estava basicamente constituída por uma massa de escravos que talvez não alcançasse dois milhões de indivíduos. Qualquer empreendimento que se pretendesse realizar teria de chocar-se com a inelasticidade da oferta de trabalho. O primeiro censo demográfico, realizado em 1872, indica que nesse ano existia no Brasil aproximadamente 1,5 milhão de escravos. Tendo em conta que o número de escravos, no começo do século, era de algo mais de um milhão, e que nos primeiros cinqüenta anos do século XIX se importou muito provavelmente mais de meio milhão, deduz-se que a taxa de mortalidade era superior à de natalidade (FURTADO, 1964, p. 141).
Observa-se que, após mais de três séculos, o trabalho do escravo permanecia como pilar fundamental da sociedade brasileira. Os escravos eram mãos e pés do senhor. Só o escravo trabalhava e produzia (SILVA, 2004).
O africano representou o elemento fundante da sociedade escravocrata. Porém, a ênfase no aspecto puramente econômico induziu a que lhe dedicasse um tratamento restrito ao status de mera mercadoria, valor de uso e de troca: coisa. E era assim que os senhores os viam: como mero capital fixo, comparável aos instrumentos de trabalho. O que o diferenciava de outras mercadorias, como a força de trabalho assalariada, é que ele estava condenado aos castigos e penas, ao bel-prazer do senhorio (SILVA, 2004, p. 2).
A continuidade da escravidão, no entanto, estava sendo questionada por questões externas e internas já na primeira metade do século XIX. Externamente “ao alvorecer do século XIX trouxe dois grandes acontecimentos que influíram grandemente neste arraigado modo de vida escravista. Por um lado o movimento emancipacionista tomava vulto nas ruas miseráveis, nos ricos salões e no parlamento da Inglaterra, determinando o início das pressões internacionais contra o secular tráfico de negros da África para as colônias de além-mar. O Brasil recém-independente herdaria, por seu turno, estas incômodas pressões da nação capitalista mais poderosa de então, já consideravelmente aumentadas. Também caberia ao novo país uma outra herança, igualmente decisiva para que se começasse a pensar na necessidade de se extinguir a escravidão. Era o grande medo suscitado pela sangrenta revolução em São Domingos, onde os negros não só haviam se rebelado contra a escravidão na última década do século XVIII e proclamado sua Independência em 1804, como também – sob a direção de Toussaint l`Ouverture – colocavam em prática os grandes princípios da Revolução Francesa, o que acarretou transtornos fatais para muitos senhores de escravos, sua famílias e propriedades” (AZEVEDO, 1987, p. 35).
E, internamente, as três primeiras décadas do século XIX só viriam confirmar as sombrias expectativas de “São Domingos” com os quilombos, os assaltos às fazendas, as pequenas revoltas individuais ou coletivas e as tentativas de grandes insurreições, culminando com as insurreições baianas, detalhadamente organizadas pelos haussás e nagôs.
Frente a estas expectativas disseminadas de inversão da ordem política e social, de vingança generalizada contra os brancos, os ouvidos educados não só ouviam como começaram a falar e, sobretudo a escrever, registrando todo um imaginário em que se sobressaía a “percepção de um país marcado por uma profunda heterogenia sócio-racial, dividido entre uma minoria branca, rica e proprietária e uma maioria não-branca, pobre e não-proprietária” (AZEVEDO, 1987, p. 36).
Sob essa conjuntura nacional, as soluções encontradas para se ultrapassar esta heterogenia foram diversas, embora tivessem como ponto comum a necessidade de se instituir uma nacionalidade, a busca de um povo.
Ao longo do século XIX, diversos reformadores expuseram suas idéias acerca dessa busca de um povo. Por um lado, num primeiro momento, estavam os emancipacionistas que se voltaram para os próprios habitantes pobres do país, fossem eles escravos ou livres, e procuraram arrancá-los de suas vidas inúteis e isoladas para integrá-los no seu projeto de uma “sociedade unida, harmoniosa e progressiva”.
Em meados da década de 1870 e, sobretudo no início dos anos 80, os abolicionistas, por sua vez, retomaram muitas das propostas emancipadoras, embora passassem a defender um prazo fatal para o fim da escravidão no país. Já em um segundo momento, principalmente, nos anos 70, os emancipacionistas defendem a idéia imigrantista como solução ideal para a formação da nacionalidade brasileira, vêem a solução no exterior, nos imigrantes europeus, tipo racial ideal para purificar a “raça brasílica”.
Nesse contexto, alguns acontecimentos propiciam a discussão em torno da continuidade da escravidão. Dentre eles, estava o Artigo 10 do Tratado de Comércio firmado com a Inglaterra, em 19 de fevereiro de 1810, e que previa a extinção da escravidão, o que significaria a falta de braços em futuro próximo.
Na seqüência, a partir da década de 50, viria a Lei de Bill Aberdeen, aprovada na Inglaterra, a qual permitia à Marinha Inglesa apreender os navios negreiros. Essa lei fez com que os ingleses ameaçassem fechar alguns portos brasileiros, caso o tráfico permanecesse. Em 1850, sob muita pressão, foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós que proibia o tráfico de escravos para o Brasil. Após essa lei, os grandes cafeicultores do Sudeste, especialmente em São Paulo, passaram a fazer tráfico interno, comprando escravos negros de outras regiões do país. O que também causou muitas discussões parlamentares.
A fim de diminuir as pressões abolicionistas, principalmente inglesas, no ano de 1871, o gabinete conservador do Rio Branco aprovou a Lei do Ventre Livre, através da qual os filhos de mulheres escravas que nascessem no Império a partir da data da referida lei, tornar-se-iam livres. Ficando, entretanto, em poder e sob autoridade dos senhores de suas mães até a idade de oito anos. Após essa idade, caso quisessem teriam a liberdade. Não foi uma lei significativa para os escravos, podendo ser vista apenas como uma manobra parlamentar que procurava aquietar os ânimos abolicionistas e, ao mesmo tempo, garantir a força de trabalho escrava, visto que os senhores podiam contar com o trabalho compulsório dos ingênuos até os vinte e um anos de idade,
A partir de 1880, a campanha abolicionista ganhou maior dimensão envolvendo parlamentares, como José Patrocínio, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa; artistas como o poeta Castro Alves; jornalistas como Luís Gama e os órgãos da imprensa que publicavam artigos a favor da abolição (como o jornal paulista “A Redempção”), inclusive, negando-se a noticiar fugas de escravos e pedidos de ajuda para a captura dos mesmos. Da mesma forma, membros da igreja e até do Exército (estes últimos chegavam a recusar-se a capturar escravos fugitivos) também se envolveram na causa.
Com isso, em 1885, foi proposta outra lei no processo para a libertação dos escravos, a Lei do Sexagenário, que dava direito ao escravo com mais de sessenta anos de idade a se tornar livre. Essa lei, contudo, foi mais uma contradição na vida do escravo, haja vista que, dificilmente, ele chegaria a essa idade, já que a média de vida não atingia os quarenta anos. Além disso, esse escravo corria o risco de passar de escravo a mendigo, uma vez que não estava preparado para o trabalho livre, assim como todos os outros escravos. E, aliás, essa questão do futuro dos trabalhadores escravos gerou muitas discussões entre diversos setores da sociedade bem antes da Lei Áurea, especificamente na província de São Paulo.
A situação estava insustentável. Desde a virada das décadas de 1860 e 1870, os relatórios dos chefes de polícia dirigidos aos presidentes de província expressavam uma crescente preocupação com as lutas de escravos. Individualmente ou em pequenos grupos, de forma premeditada ou não, eles se revoltavam e matavam e, ao invés de simplesmente fugir, como era costume – refugando-se nos quilombos nas matas ou mesmo em agrupamentos de leprosos à beira das estradas – começaram a se entregar espontaneamente à polícia como se julgasse de seu direito matar quem os oprimia.
Como a província de São Paulo possuía o maior número de escravos em decorrência da expansão da cafeicultura, comprando inclusive escravos de outras regiões, o tema da “criminalidade” crescente dos negros nas fazendas vai se impondo nesses relatórios. Assim, ao longo da década de 1870, grande parte das atenções das autoridades policiais convergia para a questão dos crimes diários de escravos, contra senhores, administradores, feitores e respectivas famílias.
E a figura dos chefes de polícia estava muito atrelada à manutenção da ordem e do trabalho escravo. Havia a lei geral de 1835, que previa a pena de morte para os escravos que atentassem contra a vida de seus senhores e feitores, objetivava pôr um paradeiro nos eventos sangrentos. Porém, em São Paulo, a partir da segunda metade do século XIX, as possibilidades de manter a disciplina e o controle sobre os escravos na grande produção agrícola tornavam-se cada vez mais difíceis. Isso devido à grande concentração de negros em atendimento às necessidades crescentes de mão-de-obra colocadas pela expansão do café rumo ao oeste paulista.
Mas essa lei de 1835 deixou de ser cumprida rigorosamente após um aviso imperial que suspendia a execução de pena de morte ao negro rebelde. Essa medida, que, provavelmente, procurava preservar a existência de braços para o trabalho alguns poucos anos após o encerramento do tráfico africano, pode ter sido o efeito inesperado de afrouxar a impunidade aos escravos que se rebelassem.
E é neste contexto em que o papel da polícia se destaca, é que temos o assassinato do chefe de polícia Joaquim Firmino de Araújo, da pequena cidade paulista Penha do Rio do Peixe, por senhores escravocratas, episódio que teve forte repercussão na região próspera da Baixa Mogiana e no restante do país, através de noticiários da grande imprensa. Esse episódio teve conseqüência a mudança do nome da cidade para Itapira e teria influenciado na assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888.
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