O Editor

domingo, 1 de abril de 2018

Série - Corrupção privada


 
Entrevista - "Setor privado capturou a democracia" de Dias Toffoli, por Edla Lula, Octávio Costa e Sonia Filgueiras   (redacao@brasileconomico.com.br) - 24/03/14 09:20








Qual sua posição sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo que questiona o financiamento empresarial?
Eu até já votei, no sentido de que a pessoa jurídica não tem o direito a essa participação na democracia. Há uma enorme injustiça, na medida em que a pessoa jurídica não vota e o poder econômico não é igualitário entre todas as pessoas, sejam físicas ou jurídicas. Ao lado desse financiamento misto, que seria um financiamento através do fundo partidário e também do financiamento de pessoa física, deve-se estabelecer um teto de gasto para as campanhas, que até hoje não foi fixado. Quem fixa o teto são as próprias candidaturas. A lei eleitoral prevê que até o dia 10 de junho de cada ano de eleição o Congresso edite uma lei fixando esse teto. Caso o Congresso não a edite, cada partido gasta quanto lhe aprouver. Ocorre que essa lei nunca é editada e a sociedade também não reclama. A lei devia ser mudada.
O sr. é favorável ao projeto de iniciativa popular promovido pelo Movimento Contra a Corrupção, que prevê o financiamento misto?
Sim. Aquele projeto é o ideal. Houve, por exemplo, uma grande mobilização conjunta de movimentos sociais e da imprensa em defesa do projeto da Ficha Limpa. O projeto foi aprovado praticamente por unanimidade. Mas não se vê essa discussão no financiamento da democracia porque a própria maneira de denominá-la - como financiamento de campanha - diminui sua importância. Por isso, reitero que a questão é o financiamento da democracia. Não há democracia sem financiamento. As contas apresentadas à Justiça mostram que, no Brasil, quem financia a democracia é o setor empresarial. Evidente que os candidatos acabam se comprometendo. Como se pode exigir que uma pessoa que foi financiada pela indústria de armas vote contra a venda de armas? Uma medida que adotamos agora no Tribunal Superior Eleitoral foi estabelecer que, durante a campanha, os partidos e as candidaturas informem quem são os seus doadores. Isto vai acontecer em agosto e em setembro. Dessa forma, o cidadão terá ao menos o direito de verificar por quem o candidato está sendo financiado.
O Congresso reage às decisões do Supremo, diz que o julgamento do financiamento de campanha é invasão do STF em área do Legislativo...
Mas se trata de uma leitura da Constituição. Só se a ideia for despir o Supremo do poder de ser o guarda da Constituição...
Seria, então, infundada a crítica de "judicialização" da política?
O Brasil tem uma Constituição extremamente analítica e prolixa. Tudo o que está colocado na Constituição tem por guarda o STF. Mesmo com uma Constituição muito menor do que a brasileira, talvez a Suprema Corte dos Estados Unidos seja mais "invasiva" que a nossa.
Então, não há intromissão do Supremo na discussão do financiamento de campanha?
Não. O que se está analisando é se, à luz da Constituição, pessoas jurídicas podem financiar a democracia. A Constituição fala que o sufrágio é para o cidadão e que se tem de afastar a influência do poder econômico. É uma decisão que não é do Congresso, é da Assembleia Nacional Constituinte, que cabe ao STF preservar.
Caso seu voto prevaleça e o financiamento privado seja julgado inconstitucional, será possível que a decisão entre em vigor já na eleição deste ano?
Seria necessário terminar o julgamento. Essa seria uma segunda discussão. Particularmente, penso que se a decisão for tomada a partir de 10 de junho, no início do processo eleitoral com as convenções, não se aplicará. Acho muito difícil que se aplique já para este ano.
Fala-se de uma divisão que existiria no Supremo, que opõe um grupo mais progressista a outro mais conservador, preso à letra da lei. O sr. vê essa divisão?
Não. O Supremo no Brasil tem uma característica que o difere dos outros. Aqui, a decisão é tomada ao vivo e em cores, com transmissão pelo rádio, pela televisão e pela internet. Não há uma discussão prévia, de bastidores. A decisão é uma construção feita no momento da sessão. Poucas pessoas sabem que isso é algo praticamente exclusivo do Brasil. Tirando o México, na América todas as decisões são tomadas em bastidores. A sessão pública é só para anunciar a decisão de bastidores, que ninguém acompanhou. Hoje há uma pressão nos EUA de grupos da imprensa e da área jurídica para a publicidade dessas sessões. Mas mesmo esse movimento para que a Suprema Corte tenha transmissão ao vivo de suas sessões é estranho em relação ao modelo que eles usam. Lá, por exemplo, não há uma distribuição dos processos. É o presidente quem indica o ministro que relatará cada processo. Aqui é por sorteio. Outra diferença é que o relator lá faz um draft, um rascunho, e passa para os colegas, que respondem se estão de acordo ou não. Em seguida começa um diálogo via assessores. No Brasil, é muito mais difícil criar grupos por identificação. Se for feita uma análise do STF, se verá que não existe há muito tempo um líder, uma referência para os colegas. No passado chegou-se a ter o Moreira Alves, o Sepúlveda Pertence. Hoje, já não há essa figura com ascendência sobre os demais. E é bom que não haja. Na corte dos EUA, o chief justice (equivalente ao presidente do Supremo no Brasil) tem uma ascendência sobre os outros.
Então os debates acalorados que acompanhamos na TV são espontâneos, verdadeiros?
São verdadeiros e acho bom. Porque trazem legitimidade.
Mas isso não desgasta a imagem do Supremo?
Eu sou favorável à transmissão porque garante o acesso de qualquer cidadão à sessão. Todo mundo gosta de um bom filme de júri, não? Um júri ao vivo toda semana é o melhor seriado que existe.
Voltando à questão da judicialização da política e da politização da Justiça, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado praticamente arquivou a PEC 058, que previa o fim da vitaliciedade dos ministros do Supremo. Foi uma vitória do Judiciário?
O Congresso tem todo o direito de debater e discutir a modelagem da Suprema Corte, faz parte da sua competência de legislador constituinte. Não há modelo ideal. Existe uma ideia no Brasil de que quem foi indicado por determinado grupo político tem fidelidade com quem indicou. A vitaliciedade impede essa fidelidade, porque dá liberdade para que a pessoa, quando coloca a toga nas costas, possa agir de acordo com seu conhecimento e sua convicção. Esse sistema de indicação com vitaliciedade dá total liberdade ao julgador. Tanto é assim, que se verifica no caso da Ação Penal 470 (a do mensalão) que muitos indicados pelo presidente Lula condenaram políticos do PT. Todos condenaram Delúbio Soares, o tesoureiro da campanha do presidente Lula; eu também. Quando alguém escreve que quem foi indicado vota a favor do governo, está prestando um desserviço à nação. Usa a autoridade de formador de opinião para não ser fiel aos fatos.
Diz-se que, quem deseja ser indicado, tem que fazer um movimento para que seu nome seja lembrado pelo presidente. Isso ocorre?
Respondendo por mim, não fiz movimento algum. Certo dia, após uma audiência que tive com o presidente Lula, como advogado geral da União, Gilberto Carvalho (atual ministro-chefe da secretária-geral da Presidência, então chefe de gabinete do presidente) me informou que o presidente desejava falar comigo no dia seguinte. Ele disse: "Eu acho que ele vai te convidar. Você aceitaria?". Respondi que seria uma honra. Agora, eu era do círculo de convivência do presidente Lula, nem fazia sentido eu fazer algum movimento.
Comenta-se que Joaquim Barbosa teria procurado Frei Betto para ser indicado...
Nesse caso, eu posso falar porque estava no Palácio do Planalto na época. Joaquim Barbosa foi procurado para ser ministro, não procurou ninguém. Creio que todos os que estão no Supremo indicados pelo Lula foram procurados.
Sendo o mais jovem dos ministros, como o sr. vê o horizonte de ficar no Supremo por mais 23 anos (até os 70 anos)?
Quando eu penso que já passaram quase cinco anos desde que entrei no Supremo, me assusto. Vejo que vou chegar aos 70 muito rapidamente. No Supremo não tem dia triste, nem dia sem ter o que fazer; o tempo passa muito rápido. A cada dia, são dezenas de decisões que se toma.


Entrevista - "Setor privado capturou a democracia" de Dias Toffoli, por Edla Lula, Octávio Costa e Sonia Filgueiras   (redacao@brasileconomico.com.br) - 24/03/14 09:20