O Editor

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O PENSAMENTO POLÍTICO DO MOVIMENTO ABOLICIONISTA NA BAIXA MOGIANA (1870-1890) - Parte IV

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Joaquim Firmino de Araújo Cunha, nascido em Mogi Mirim, em 29 de agosto de 1855, casado com Valeriana Rodrigues de Alvarenga Cunha, com quem teve quatro filhos, tomou posse como delegado de polícia de Penha do Rio do Peixe, em 19 de setembro de 1885. E tudo caminhava conforme a chefia de polícia da Capital determinava, ou seja, a autoridade policial era encarregada de reforçar a segurança dos senhores de escravos, capturando escravos fugitivos.
Mas, no limiar de 1888, quando as idéias abolicionistas ecoavam pela Capital do país e estampavam as páginas dos grandes jornais, mesmo em São Paulo onde a economia girava em torno do trabalho escravo e possuía, assim, um grande número de escravos, Joaquim Firmino viaja até Amparo, após receber o comunicado de que um parente adoecera gravemente e fica nessa cidade por alguns dias.
Justamente nessa ocasião, anunciou-se em Amparo um comércio a favor do abolicionismo, que seria realizado em um teatro.
No dia marcado, o recinto regurgitava. A cidade ficou agitada. Havia protestos, as ameaças, as tentativas de tiroteios, o diabo... Contudo uma multidão se dirigiu ao local do comércio. Entre a enorme massa humana estava o delegado de Penha do Rio do Peixe. Ansiava por ouvir os grandes pregadores, chamados de “Caifazes”, pelos escravocratas (MANDATTO, 1959, p. 48).
Após o comício, o delegado ficou entusiasmado e sentiu-se desejoso de lutar pelo fim da escravatura. Voltou para Penha e deu início à defesa dos escravos. A princípio, recusando-se a perseguir escravos que fugiam. Depois, recolhendo-os em sua casa, os quais, refugiados em porões, aguardavam o dia da liberdade já em iminência. De início, agira sigilosamente; depois passou a falar abertamente discutindo, defendendo os negros e incentivando a campanha de Patrocínio, Luiz Gama e Rebouças.
Observa-se que, assim como em vários lugares do país, a escravidão ainda era alimentada e defendida, por fazendeiros que detinham o poder não só sobre os escravos, mas também sobre algumas autoridades como juízes, intendentes, bispos, padres, vereadores e delegados. Os fazendeiros escravocratas de todo o país encontravam-se desesperados, com medo de a abolição da escravatura tornar-se realidade:
A libertação dos negros significava a paralisação dos serviços da lavoura, principal fonte de renda na época. E o escravo era um objeto, uma ferramenta viva de trabalho que havia sido adquirida por um bom dinheiro, portanto, uma peça valiosa cuja perda repentina seria desastrosa (MANDATTO, 1933, p. 36).
Na região da Baixa Mogiana, mais especificadamente em Penha do Rio do Peixe, os senhores de escravos também não queriam perder suas ferramentas vivas e urgia-lhes impedir as fugas constantes que ocorriam em suas propriedades. Apelavam, então, para a única autoridade policial que tinham à mão, o delegado de polícia Joaquim Firmino, para que os socorresse na captura dos fugitivos. No entanto, não eram atendidos. Essa atitude do delegado gerou grandes e ferozes insatisfações desses senhores.
Segundo conjetura de Mandatto (1933, p. 19):
Calculava-se a cólera que deve ter se apossado dos fazendeiros da cidade com a petulância do delegado, organizando manifestações em favor da emancipação dos negros. Joaquim Firmino de Araújo Cunha devia ser visto, então, como a mais perigosa arma voltada contra os senhores poderosos, pelo estímulo que transmitia aos escravos de, a cada vez mais, abusarem de direitos que não tinham. Restava, pois, apenas uma saída: exemplá-lo à altura, colocá-lo no seu devido lugar. E se fosse preciso aplicar-lhe uma boa sova!
Sendo assim, o posicionamento contrário à escravidão por parte de Joaquim Firmino e a sua recusa em capturar os fugitivos “era um estorvo e um perigo para os inconformados fazendeiros penhenses” (MANDATTO, 1933, p. 36). Sua morte seria, portanto, a melhor saída para tirar-lhes do caminho o perigo da adesão de uma autoridade policial ao movimento abolicionista.
Em vista disso os fazendeiros planejavam uma vingança. Tinha de ser de um modo que impressionasse para amedrontar outros possíveis abolicionistas (...) Às 4 horas da madrugada, quando o silêncio caía pesado sobre a escura cidadezinha, um bando de pessoas, calculado em mais de trezentas, todas armadas de revólver, espingardas e facas do mato, se dirigiu em direção à residência do delegado (...) Joaquim Firmino, numa energia inaudita consegue chegar ao quintal onde tenta se esconder num forno. Retiram-no à força e com violenta paulada na cabeça, tiram-lhe a vida. Chacinam-no, depois. Quebram-lhe os membros, destroncam-lhe o pescoço. O bando alucinado entrou a depredar todos os móveis e os objetos da casa. Reduziram tudo a um montão de cacos. Após bárbaro e nefasto acontecimento, a turba desapareceu. Começava a clarear o dia que é tido como o mais negro da história de Itapira: 11 de fevereiro de 1888! (MANDATTO – A Tragédia do Delegado Joaquim Firmino – p. 49 e 50).
Trata-se, na realidade, da morte de um abolicionista convicto comprovado através de sua desobediência à chefia de polícia da Capital quanto à captura de negros fugitivos, à organização e à participação de comícios em prol da abolição.
A Joaquim Firmino:
Deve-se creditar algo mais do que uma mera simpatia pela abolição Só essa condição não justificaria a morte brutal que lhe foi imposta pela turba possessa que invadiu a sua residência na madrugada de 11 de fevereiro de 1888 (MANDATTO, 1933, p. 26).

Vera Silvia Constantino (PUC - MINAS)
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