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De Penha do Rio do Peixe a Itapira
O presidente da província, Conselheiro Laurindo Abelardo de Brito, em 17 de outubro de 1879, elevou a Vila da Penha do Rio do Peixe a categoria de Termo, sendo criados o Foro Civil e o Conselho de Jurados, instalados em 8 de novembro do mesmo ano.
Posterior a esse período, em 7 de abril de 1881, tomou pose da presidência da província de São Paulo o Senador do Império, Florêncio de Abreu, elevando a Vila à categoria de cidade. Isso foi possível, pois a solicitação da câmara teve como justificativa o fato de a Vila possuir “uma boa Matriz, uma excelente Cadeia e Casa de Câmara e uma população de mais de 7000 almas”. O decreto que elevava a Vila da Penha do Rio do Peixe à cidade foi assinado por Florêncio de Abreu, em 27 de junho de 1881.
Todavia, após o 11 de fevereiro de 1888, a data do episódio funesto do assassinato do delegado de polícia Joaquim Firmino, já relatado no presente trabalho, houve a alteração do nome da cidade para Itapira, numa tentativa de:
Extinguir da memória das pessoas a mácula que ultrajava os penhenses desde a ocorrência do assassinato. Urgia livrarem-se da peça desagradável que os afrontava qual estigam atroz. A saída encontrada foi a mudança do nome da cidade (MANDATTO, 1933, p. 1).
E também de distanciar da lembrança das pessoas o trágico assassinato:
Na atualidade quando se fala na morte de Joaquim Firmino, o caso é narrado com algumas fantasias e várias distorções. Mesmo assim, pelas circunstâncias em que se deu o crime, o episódio de 11 de fevereiro de 1888 está enquadrado na relação das efemérides ligadas à escravatura e à abolição no Brasil, e Joaquim Firmino é citado como herói e mártir da emancipação da raça negra (MANDATTO, 1933, p. 10-11).
Como esse fato ganhou grande repercussão em todo o Brasil, a Intendência Municipal solicitou do então governo do Estado, Prudente de Moraes, que mudasse o nome da cidade. Dessa forma, em 1 de abril de 1890, foi assinado o Decreto nº. 40, que mudava o nome de Penha do Rio do Peixe para Itapira.
A notícia do assassinato do delegado Joaquim Firmino ganhou dimensão em nível nacional com bastante rapidez. Todos os jornais da época noticiaram o ocorrido. Cada qual buscava dar uma versão do fato e isso permitiu até mesmo informações distanciadas dos fatos motivadores de sua morte.
A descrição do crime doa dia 11 de fevereiro de 1888, na Penha do Rio do Peixe, tem, pelo menos, três versões. A popular (plena de fantasias, que deve ser desprezada), a da imprensa (com relatos verdadeiros, porém com os exageros da sensação) e a constante dos depoimentos das testemunhas oculares, especialmente da esposa e da filha de Joaquim Firmino e de mais três pessoas que ali se encontravam no momento da tragédia (MANSATTO, 1933, p. 63).
Em razão da grande divulgação do crime, conforme relata Mandatto (1933, p. 39):
Como não podia deixar de acontecer, a notícia do assassinato de Joaquim Firmino chegou até a Corte, fazendo com que os Órgãos de imprensa abolicionista dessem ampla cobertura aos acontecimentos.
Desde 1881, intensificou-se o apoio popular à causa dos escravos. Era comum o envolvimento de pessoas de fora das fazendas nos conflitos entre senhores e escravos. Somando a isso, havia as grandes pressões externas, por parte dos países de capitalismo moderno e industrializado como a Inglaterra, que incentivavam a mão-de-obra assalariada com o objetivo de que essas pessoas comprassem seus produtos. Havia também a pressão interna, intensificada pelos jornais abolicionistas que divulgaram a notícia do assassinato. Até então, era comum os escravos assassinarem seus senhores, feitores, capitães do mato e familiares, forçando as discussões parlamentares acerca da inadiável assinatura da Lei Áurea.
Após a fuga das fazendas, os negros tentavam solucionar seu destino como homens livres de formas variadas. Havia os que ficavam pelos matos reunidos em grupos e que para sobreviver saqueavam cidades e vilas. Este parece ter sido um recurso momentâneo até que fosse encontrado o caminho para Santos, cidade em que esperavam encontrar abrigo no quilombo do Jabaquara, especialmente montado para eles a partir de 1882 por dirigentes abolicionistas preocupados com a manutenção da ordem na província. Outros insistiam em ficar nas próprias imediações das fazendas de onde haviam se retirado, exigindo sua carta de liberdade e pagar-lhes salário. E, enquanto não conseguiam seus intentos, rondavam nas ameaçadoramente, ao que indica um veemente relato do chefe de polícia Barreto de Aragão, em dezembro de 1887 (AZEVEDO, 1987, p. 206).
O que não era comum era os senhores de escravos assassinarem uma autoridade policial, um delegado de polícia que se recusava a perseguir e capturar escravos fugitivos, além de defender idéias abolicionistas. Neste paradoxo, de um lado escravos assassinos, noutro senhores de escravos assassinos, o episódio de Joaquim Firmino, na pequena Penha do Rio do Peixe, pode ter colaborado – e apressado talvez – para a assinatura da Lei Áurea, três meses depois, em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel.
Vera Silvia Constantino (PUC - MINAS)