O Editor

terça-feira, 13 de maio de 2014

O REVERSO

 Contra o abolicionismo opunham, como argumento para aterrorizar, os horrores que haviam de vir da libertação em massa. Pintavam as levas de negros saqueando, incendiando, matando. Os quadros mais tristes recebiam da imaginação dos terroristas as cores carregadas e os lances de mais efeitos.
- O que se deve esperar de uma massa de brutos, de tantos indivíduos mal educados, com seus ódios por longos anos sufocados, com suas paixões sopitadas, de um momento para outro lançados na sociedade como homens livres?
E a resposta que se tinha com todos os sinais de quem se acha seriamente amendrontado era esta: “As cenas mais torpes, as mais comprometedoras da ordem pública, da paz das famílias e da tranqüilidade do lar!
E tudo veio provar o contrário.

Os escravizados que não obtêm dos senhores concessões justas, como outros já têm feito, abandonam as fazendas sem violência, sem atos de desreipeito, sem roubos, sem furtos, atravessam cidades e vilas, passam por casas nas estradas e não praticam nenhum ato de desonestidade e tornam-se credores da estima pública.
Os brutos elevam-se moralmente e pagam com o respeito à lei, à moral, à sociedade, os maus tratos, os sofrimentos, as injustiças e embrutecimento a que foram sujeitos na escravidão.
Aí mesmo onde os brancos, os homens livres, se arregimentam, saqueiam, matam, perturbam a paz pública, eles vingam-se saindo sem reagir contra aqueles que assim procedem com o fim de conservá-los na escravidão. Vergonhoso exemplo para os brancos!
Os fazendeiros da Penha do Rio do Peixe ofendem a civilização da província de São Paulo e oferecem um triste e lamentátvel contraste com os seus escravos, os tais brutos que tanto amedrontavam os retardatários e prudentes que combatiam a abolição e todas medidas emancipadoras que tendiam a retirar do cativeiro as turmas de infelizes.
Segundo as narrações que nos parecem exprimir a verdade, os feitos da reação se passaram assim:
"Quando Joaquim Firmino se viu completamente perdido disse:
- Vocês o querem é matar-me; pois matem-me, aqui estou!
Então arrancaram-no, espancaram-no. A mulher da vítima ajoelha-se pedindo misericórdia, mas ninguém a atende! Fez uma inocente filhinha ajoelhar-se e pedir que não matasse seu pai, e a criança foi repelida com um ponta-pé, redobrandos os sicários na sua fúria!
Antes os seus lábios não se tivesse movido!
Enquanto um dos da malta mutila um braço da vítima, outro procura estrangulá-la.
Joaquim Firmino, lutando até morrer, foi recuando ante aquela turba sedenta de sangue até o quintal, onde caiu enfim cheio de horríveis ferimentos!
Descrever tudo quanto se deu, com as devidas cores não é tarefa de que eu possa desempenhar, deixando os leitores que calculem todo o horror dessa bárbara cena.
Ver a viúva e os filhos do infeliz assassinado, ver a desordem em que ficou aquela casa e todos os móveis e utensílios que nela havia, ouvir a voz de uma senhora que ainda pedia piedade para seu infortunado esposo, tudo isso causava profundíssima lástima. Era um quadro que comoveria todos os corações por mais duro e por mais de pedra que fossem. Espaçaram os bárbaros igualmente essa virtuosa esposa e dedicada mãe de família! Roubaram créditos de pessoas que devia ao finado e roubaram-lhe dinheiro!
Esta tarefa concluída, dirigiram-se à casa de Pedro Carvalho de Almeida, negociante, praticaram aí novos atos de covardia, escapando o negociante e sua família de serem assassinados, devido ao cidadão Cisterna Rabello, que, presenciando o ataque à casa do delegado, correu a avisar o sr. Pedro Carvalho que fugisse, o que fez pelo portão, indo pedir agasalho ao revd. Vigário padre Agostinho, que os acolheu, a ele e aos seus, generosamente.
Depois de roubarem a esse negociante 2:600$000, quebraram garrafas de bebidas do seu estabelecimento, rasgaram roupas feitas que estavam nas prateleiras, carregaram com o que puderam e estragar tudo mais.
Não contentes com isto, dirigiram à casa do sr. Bento da Rocha Campos e arrombaram a porta, para assassiná-lo: este, porém, acordou com o barulho e acompanhado por sua senhora fugiu pelos fundos indo pedir asilo a uma preta livre que mora perto.
Havia sede de sangue.
Outros domicílios de diversos cidadãos deviam ser atacados!
A luz da manhã veio impedir os assassinos de continuarem no saque e na caçada às vítimas, que tinham sido designadas à sua sanha.
Por esse motivo deixaram certamente de ser assaltadas ainda outras casas e deixou de prosseguir o morticínio, sendo poupados alguns chefes de família.”
Eis aí o quadro mais vergonhoso e repugnante que apresenta ao mundo o movimento abolicionista na província de S.Paulo.
E foram os brancos que o formaram!
Como é infame, horripilante, contristador e degradante o proceder desse grupo de homens que figuram na sociedade, que se investem nos cargos públicos, que merecem a confiança dos governos, que votam para constituir os poderes políticos, que julgam como juízes de fato e até de direito na ordem da substituição, que apelam para as autoridades superiores pedindo garantias de ordem e tranqüilidade para si e seus cidadãos!
Vede, se tiverdes coragem de enfrentar com tanta vergonha: - ali naquele plano tomam cautelosamente posições os fazendeiros, os que servem as funções públicas importantes; ali naquele outro agrupam os assassinos experimentados, os assalariados para o mal; ali... dura confiança da administração, um delegado do governo, é despedaçado, estrangulado; uma senhora que se ajoelha e implora comiseração, é atacada brutalmente, atirada ao chão e ferida; uma inocente menina, que atônita, corre em procura de seus pais, é atirada pra longe como cousa importuna que embaraça os passos dos ladrões, assassinos, e dos senhores feudais da Penha do Rio do Peixe.
E lá bem linge, às mortas da noite, os pobres negros dormem tranqüilos enquanto não toca à forma do quadrado.
Que tremendo contraste e que vergonha para a nossa civilização!
É o reverso do quadro com que intimidavam a sociedade brasileira.
E diante de tudo isto o sr. chefe de polícia deixou-se ficar comodamente em sua casa e continuou a receber faceiramente os amigos dos assassinos que procuravam explicar do melhor modo possível a manifestação do poderio e da força dos senhores de escravos.
Ah! sr. Conselheiro A. Prado, a sua política, apesar nos amigos que figuram na comissão do obelisco, está sendo traída: os srs. Presidente da província e chefe de polícia não andaram bem no prólogo desse horroroso drama da Penha do Rio do Peixe.
Eles não têm coragem de fimar [?] a política provincial de v.exc.
Quase se pode fazê-los figurar em um dos planos daquele medonho quadro.
Ao menos no arrumar a tela eles tomaram parte.

(“A PROVÍNCIA DE SÃO PAULO”, 16 de fevereiro de 1888)

Uma reportagem longa, para descrever com menos dores ao público leitor da época.  (Qualquer diferença na ortografia se deve pelo fato do texto ter sido escrito em 1888)

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